O Crime de Peculato e sua Relação com a Atividade Política: Análise Jurídica e Perspectivas Contemporâneas

peculato artigo 312 do Código Penal

O Crime de Peculato e sua Relação com a Atividade Política: Análise Jurídica e Perspectivas Contemporâneas

O crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, ocupa posição de destaque no sistema jurídico-penal brasileiro por atingir diretamente o bem jurídico a Administração Pública, tutelando a probidade administrativa e a confiança social na gestão do patrimônio público.

Em um contexto atual de constante vigilância social sobre a moralidade e a legalidade da atuação estatal, nota-se que os agentes políticos, em particular aqueles que ocupam o mais alto escalão do Poder Executivo, cujas funções compreendem a administração direta de recursos e bens públicos, ocupam posição de destaque como ‘destinatários’ desse tipo penal.

Aliás, o que se observa na prática é uma quase adoção do Direito Penal do Inimigo de Günther Jakobs, no qual os agentes políticos passam a ocupar o status de ‘inimigos do Estado’, e, uma vez acusados de cometer o crime de peculato, recebem um tratamento distinto de um cidadão comum na aplicação do direito penal.

Em outras palavras, durante a persecução penal, segundo essa teoria, o agente público, enquanto “inimigo do estado”, não gozaria das mesmas garantias legais e constitucionais em comparação a um cidadão comum. O inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação.

Nesse diapasão, há maior necessidade de os integrantes do Poder Executivo contarem com equipes jurídicas especializadas, a despeito da defesa institucionalizada realizada pelas procuradorias.

O crime de peculato é tipificado no artigo 312 do Código Penal, que assim dispõe:

“Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

  • 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
  • 2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano.
  • 3º – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta”.

Segundo o doutrinador Fernando Abreu, a estrutura do crime de peculato é formada pelo verbo nuclear apropriar (caput) e a elementar objetiva quantia em dinheiro (§1º), isto é, o funcionário público (ou pessoa equiparada), se valendo da facilidade que lhe proporciona o cargo, deve tomar para si próprio ou em proveito alheio (elementar subjetiva), de quantia em dinheiro.

O tipo penal previsto no artigo 312 do Código Penal desdobra-se, ainda, em várias modalidades, cada uma com suas particularidades: a) Peculato-apropriação – apropriação direta de bens sob posse do agente; b) Peculato-desvio – desvio do bem para finalidade diversa, em proveito próprio ou de terceiros; c) Peculato-furto (art. 312, §1º) – quando o agente, sem ter posse, subtrai o bem em razão do cargo; d) Peculato culposo (art. 312, §2º) – quando a apropriação se dá em virtude de culpa (sem dolo) do agente.

Quanto à modalidade culposa do tipo penal, há de salientar o tópico mais notável, e talvez o mais importante, referente à extinção da punibilidade quando da reparação do dano antes da sentença irrecorrível ou da redução da pena pela metade, se a reparação ocorre posteriormente.

A título exemplificativo, casos de desvio de verbas de programas sociais, contratações fraudulentas, uso de recursos públicos em campanhas eleitorais ou pagamento de despesas pessoais configuram hipóteses clássicas de peculato-desvio.

Fato é que a proximidade com o poder econômico, a ausência de uma estrutura organizada de controle financeiro e a dificuldade de fiscalização, sobretudo em administrações municipais, tornam o Poder Executivo alvo recorrente de investigações.

E, para além da investigação na seara criminal pela prática de crime de contra a Administração Pública, há de ressaltar a contiguidade existente entre delitos dessa natureza com a improbidade administrativa.

Com previsão na Lei 8.429/1992, a chamada Lei de Improbidade Administrativa prevê sanções civis e administrativas como a perda da função pública e suspensão de direitos políticos, dentre outros, a todo agente público e até mesmo particulares que concorram para a prática do ato de improbidade. Logo, é comum que o agente político responda simultaneamente na esfera penal, civil e administrativa, dado o caráter autônomo de cada instância.

Nesse contexto, o crime de peculato representa uma das mais graves violações à moralidade administrativa, sendo um dos pilares no combate à corrupção no Brasil. Sua relação com a atividade política, especialmente no Poder Executivo, exige mecanismos de controle e fiscalização efetivos, reforçando a necessidade de transparência, compliance e accountability na gestão pública.

Por outro lado, a atividade contemporânea de persecução penal do Estado no contexto apresentado requer um preparo especial dos advogados na defesa dos direitos dos clientes, em especial quando integrantes do Poder Executivo.

A proteção ao bem jurídico da Administração Pública, à probidade administrativa e à confiança social na gestão do patrimônio público são essenciais para o equilíbrio social, no entanto, por outro lado, a supremacia do interesse público não pode se sobrepor, a qualquer custo, às garantias constitucionais duramente conquistadas.

Referências

  • Jakobs, Günther; Cancio Meliá, Manuel; Direito Penal do Inimigo, Noções e Críticas, 6ª Ed., Editora: Livraria do Advogado, 2020, Organização e Tradução: André Luis Callegari, Nereu José Giacomolli.
  • Abreu, Fernando – 2ª ed., ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2024.

 

*Texto com caráter informativo, sem o compromisso com o rigor acadêmico.