Devedores Insolventes e Recuperação de Ativos – Uma Visão Estratégica da Falência

Devedores insolventes

A inadimplência de grandes valores por parte de empresas devedoras é uma realidade desafiadora para credores e gestores financeiros. Nessas situações extremas, o pedido de falência desponta como um instrumento estratégico – e legítimo – de cobrança e recuperação de crédito.

Embora seja legalmente considerado uma “última ratio”, na prática, o pedido de falência tem se revelado um eficaz instrumento de cobrança, já que o credor muitas vezes busca mais o recebimento do crédito do que a efetiva quebra do devedor. Em outras palavras, a simples perspectiva de falência frequentemente pressiona o devedor a pagar suas dívidas ou negociar acordos, agilizando a recuperação de ativos que, de outra forma, poderiam nunca ser recebidos.

Critérios Legais de Insolvência (Lei nº 11.101/2005) e Jurisprudência Relevante

Para que o pedido de falência seja cabível, é preciso atender aos critérios legais de insolvência previstos na Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação de Empresas e Falências).

Em termos práticos, considera-se insolvente, para fins de falência, o devedor (empresário ou empresa) que se enquadre em pelo menos uma das seguintes hipóteses objetivas (art. 94 da Lei):

  • Impontualidade injustificada: deixar de pagar, sem motivo relevante, obrigação líquida e vencida, comprovada por título executivo protestado, cuja soma ultrapasse 40 salários mínimos na data do pedido.
    Esse piso foi estabelecido para diferenciar dívidas corriqueiras de inadimplências graves, presumindo-se a insolvência do devedor acima desse montante.
    O Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento de que pedidos de falência por dívidas inferiores a esse piso legal são abusivos, ao passo que dívidas acima do valor já atendem ao critério de insolvência jurídica. Em caso recente, por exemplo, a 4ª Turma do STJ confirmou a falência de uma empresa, ressaltando que, ultrapassado o limite legal, presume-se a insolvência.
  • Execução frustrada: ser alvo de execução judicial por dívida líquida de qualquer valor e, ainda assim, não pagar nem nomear bens à penhora dentro do prazo legal. Nessa situação, presume-se a incapacidade de pagamento, o que também caracteriza a insolvência e legitima o pedido de falência.
  • Prática de atos de falência: como fraudes contra credores, que igualmente podem embasar o pedido.

Importante: esses critérios representam a “insolvência jurídica” definida em lei, não sendo necessário ao credor provar a insolvência econômica ampla da empresa. Uma vez preenchida qualquer dessas condições objetivas, há presunção legal de insolvência, cabendo ao devedor afastá-la se for capaz.

Assim, cumpridos os requisitos da Lei nº 11.101/2005, o pedido de falência é direito do credor e um mecanismo legalmente previsto para enfrentar a inadimplência grave.

Uso Estratégico e Negociação

O pedido de falência é especialmente eficaz quando as tentativas ordinárias de cobrança falharam.

Para o credor, ele transforma um crédito “parado” em oportunidade de negociação. Além disso, evita a dissipação desordenada de bens e garante tratamento isonômico aos credores, caso a falência seja decretada.

Mesmo quando a empresa devedora não possui bens em seu nome, a medida pode trazer resultados: muitas vezes, os sócios têm interesse direto na preservação do CNPJ e da reputação empresarial, o que os leva a negociar para evitar o desfecho falimentar.

Cuidados e Riscos no Uso da Falência como Cobrança

Apesar de seu potencial, o pedido de falência deve ser usado com cautela e responsabilidade.

É fundamental que o credor observe rigorosamente os requisitos legais – valores devidos, títulos protestados, execução frustrada – para evitar que o pedido seja interpretado como coação indevida ou má-fé.

A utilização da via falimentar apenas como ferramenta de pressão, sem respaldo nos critérios objetivos, contraria o princípio da preservação da empresa e pode resultar na rejeição do pedido. Os tribunais têm rejeitado tentativas de “falência temerária”, impondo, em alguns casos, sanções processuais ao credor.

Mesmo quando bem fundamentado, há efeitos colaterais a considerar. A simples notícia de um pedido de falência pode abalar a reputação da empresa devedora, dificultando sua recuperação financeira. Além disso, se decretada a falência, o processo de liquidação é complexo e demorado, envolvendo todos os credores. Nesse cenário, o credor que provocou a falência perde o controle individual da cobrança e deverá concorrer com os demais, podendo recuperar apenas parte do valor e em longo prazo.

Portanto, o pedido de falência é mais indicado em casos de insolvência evidente ou de default significativo, mas pode ser contraproducente diante de atrasos pontuais ou empresas com capacidade real de recuperação.

Conclusão – O Papel do Aconselhamento Estratégico

Em síntese, a falência deve ser vista como uma ferramenta legítima de recuperação de ativos, a ser utilizada de forma estratégica e criteriosa.

Quando o devedor se mostra insolvente e os meios tradicionais de cobrança se esgotaram, o pedido de falência pode viabilizar a recuperação de créditos que estariam perdidos.

Contudo, trata-se de um remédio forte, que exige análise técnica e prudência em sua aplicação.

Nosso escritório atua como parceiro estratégico na defesa dos interesses dos credores, permitindo que CFOs, diretores jurídicos e empresários tomem decisões informadas e eficazes na difícil tarefa de recuperar ativos perante devedores insolventes.