O Acordo de Não Persecução Penal: Natureza Jurídica, Fundamentos e Limites Constitucionais

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) representa uma das mais relevantes inovações do processo penal contemporâneo brasileiro, incorporando princípios de justiça negociada e eficiência processual.
Introduzido pela Lei nº 13.964 de 2019 – o chamado Pacote Anticrime –, o instituto está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, promovendo uma resposta estatal célere aos crimes cometidos sem violência ou gravidade à pessoa, cuja pena mínima cominada seja inferior à 4 anos, que não revelem hipótese de arquivamento e desde que haja confissão formal, evitando o ajuizamento desnecessário de ações penais.
Nesse sentido, o Ministério Público poderá propor o ANPP desde que o investigado cumpra determinadas condições legais, além de reparar o dano, prestar serviços à comunidade, pagar multa ou cumprir outra obrigação indicada.
Ressalta-se, nesse ponto, que nos termos do artido 28-A, §2º, os delitos praticas no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulhar por razões da condição de sexo feminino estão excluídos do roll dos crimes dos quais são cabíveis o ANPP.
Além disso, o § 10º do referido artigo dispõe que o descumprimento do acordo autoriza o Ministério Público a oferecer denúncia, enquanto, por outro lado, o § 13º assegura que o cumprimento integral do acordo acarreta a extinção da punibilidade.
Frisa-se que ANPP também guarda sintonia com os princípios constitucionais da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF/88) e da eficiência administrativa (art. 37, caput da CF/88), reforçando a política criminal de despenalização e de justiça consensual.
O ANPP é compreendido pela doutrina como um negócio jurídico processual penal de natureza sui generis no qual se reconhece a confissão como elemento essencial à celebração do acordo, mas sem efeito automático de condenação.
Corrobrorando o entendimento acima citado, Guilherme de Souza Nucci observa que o ANPP “representa uma forma de composição intermediária entre a transação penal e a suspensão condicional do processo, privilegiando a economia processual e o consenso entre as partes” (Código de Processo Penal Comentado, 19ª ed., 2023).
Aliás, há caso em que o Ministério Público justifica a recusa ao ANPP pelo fato de o Acusado ter praticado crimes em continuidade delitiva. Nesses casos, normalmente é allegado pelo Parquet que a reiteração habitual e contumaz não atenderia aos efeitos da prevenção geral, nos termos do artigo 28-A, §2º, II do Código de Processo Penal.
Porém, ao interpretar esse dispositivo, o Superior Tribunal de Justiça concluiu que a continuidade delitiva não impede a celebração do acordo de não persecução penal. Abaixo, trecho do julgado citado:
“[…] 6. A continuidade delitiva não está prevista como impedimento para o ANPP no art. 28-A, §2º, II, do CPP, que menciona apenas condutas habituais, reiteradas ou profissionais. 7. A inclusão da continuidade delitiva como óbice ao ANPP extrapola os limites da norma, violando o princípio da legalidade. […]” ARESsp 2.406.856, Relator Ministro Ribeiro Dantas, 08/10/2024.
Ademais, no mesmo julgado referenciado, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que se admite a celebração de ANPP em processos já em andamento, desde que antes do trânsito em julgado e estando presentes os requisitos legais.
Aliás, nesse mesmo sentido, segundo julgado rescente do Supremo Tribunal Federal (AgRg 1.562.125/PR), o Min. Dias Toffoli reconheceu a retroatividade benéfica do artigo 28-A do Código de Processo Penal, autorizando a oferta do ANPP em ação penal ainda não transitada em julgado, aplicando o princípio constitucional da retroatividade da norma penal mais favorável.
Embora o ANPP seja celebrado entre Ministério Público e investigado, o controle judicial é indispensável. O juiz deve verificar a legalidade, voluntariedade e adequação das condições, conforme o § 4º do artigo 28-A do Código de Processo Penal.
O Poder Judiciário, contudo, não pode impor o acordo quando o MP se recusar justificadamente a propô-lo. A atuação judicial é de controle, não de substituição da função acusatória, privativa do Parquet.
Conforme citado, o cumprimento integral do ANPP extingue a punibilidade não ocorrendo, portanto, a condenação criminal.
Destarte, o ANPP também contribui para a descongestão do sistema judicial e prisional, alinhando-se à política pública de racionalização da persecução penal, alinhando-se ao princípio da intervenção mínima do Direito Penal.
O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) reflete um avanço civilizatório do processo penal brasileiro, introduzindo práticas de negociação e consenso em substituição à lógica exclusivamente punitiva. Ao mesmo tempo, demanda atenção aos limites constitucionais da discricionariedade Ministerial e à proteção das garantias individuais.
Trata-se de um instrumento híbrido, que equilibra eficiência e garantismo, representando uma forma moderna de justiça penal dialógica e restaurativa.
Referências Bibliográficas
- BRASIL. Código de Processo Penal. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019.
- NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 19ª ed. São Paulo: Forense, 2023.
- Supremo Tribunal Federal, AgRg 1.562.125/PR, Relator Min. Dias Toffoli. Segunda Turma, sessão virtual de 29.08.2025 a 05.09.2025.
