O atual, o NCPC e a Ação Rescisória: observações

Arnaldo Esteves Lima

O CPC/73 (Lei 5.869/73), disciplina referida ação em seus arts. 485 a 495; enquanto o NCPC (Lei 13.105/2015), o faz do art. 966 ao 975. Dentre outros autores, a professora Ada Pellegreni Grinover, em sua obra Direito Processual Civil (José Bushatsky, 1974, ps. 151-2), ensina:

“Encontra-se, constantemente no Direito a oposição entre dois valores primordiais: justiça e certeza. As injustiças que determinado mecanismo de realização do Direito possa acarretar constituem, em geral, o preço que se paga pela segurança.

Nas modernas organizações estatais o processo, embora se orientando como sempre por objetivos de paz social, procura atender o mais possível à exigência de justiça. Seguro indício dessa tendência é o estabelecimento do duplo grau de jurisdição.

Apesar disso, pode acontecer que a decisão final venha a consagrar a injustiça, por vários motivos. Mesmo nesse caso, em regra, no interesse da certeza e da segurança do Direito, a coisa julgada torna-se inatacável e prevalece a injustiça.

Há casos, porém, em que a veemência dos vícios da sentença vem realmente abalar as razões em que se fundamenta a imutabilidade dos julgados, fazendo com que, sempre no interesse público, a exigência de justiça prevaleça sobre a de segurança. Previu nosso ordenamento, para esses casos, o remédio específico da ação rescisória, pelo qual, instaurando-se nova relação jurídica processual, pode ser desconstituída a sentença. Rescisória é, pois, a ação pela qual se visa rescindir a sentença transitada em julgado. ”

A coisa julgada material preserva, como é sabido, a segurança das relações jurídicas, enquanto a rescisória visa a obter justiça (RSTJ 17/426). Esta constitui, assim, exceção, e aquela, regra (art. 5º, XXXVI/CF, RSTJ 6/64 e 26/544).

A comparação entre os dois Códigos, no ponto, revela que houve algumas mudanças “passos à frente”, em sintonia, aliás, com o propósito da nova codificação, como não poderia deixar de ser. Na sua exposição de motivos, aliás, está consignado.

“Sem prejuízo da manutenção e do aperfeiçoamento dos institutos introduzidos no sistema pelas reformas ocorridas nos anos de 1.992 até hoje, criou-se um Código novo, que não significa, todavia, uma ruptura com o passado, mas um passo à frente. Assim, além de conservados os institutos cujos resultados foram positivos, incluíram-se no sistema outros tantos que visam a atribuir-lhe alto grau de eficiência. ”

E quanto à ação rescisória, especificamente:

“Também com o objetivo de desfazer “nós” do sistema, deixaram-se claras as hipóteses de cabimento de ação rescisória e de ação anulatória, eliminando-se dúvidas, com soluções como, por exemplo, a de deixar sentenças homologatórias como categoria de pronunciamento impugnável pela ação anulatória, ainda que se trate de decisão de mérito, isto é, que homologa transação, reconhecimento jurídico do pedido ou renúncia à pretensão. ”

Sendo impossível abordar todas as alterações, limitaremos a alguns aspectos. No art. 966, em lugar de “sentença” empregou-se “decisão”, o que compreende, como já ocorre, para efeito rescisório, acórdãos e sentenças, estritamente consideradas. Os arts. 203 e 204 prescrevem:

Art. 203.  Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

Art. 204.  Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.

Embora empregando o termo genérico “decisão”, para fim rescisório, no entanto, tal se deve compreender apenas aquela que põe fim à lide, definindo-lhe o mérito; não, porém, as decisões interlocutórias propriamente, a que se refere o § 2º do primeiro artigo, estas, aliás, passíveis, como regra, de serem alvo de agravo de instrumento, conforme art. 1.015 e segs. Sobreveio, como novidade, a exceção inscrita no § 2º, I e II, do art. 966, que admite rescisória, embora a decisão não seja de mérito, quando ocorre, por exemplo, a chamada perempção de instância. Tal confirma a regra, segundo a qual, a rescisória, além de outros pressupostos, exige que a decisão seja de mérito, no sentido estrito da expressão.

Quanto ao prazo decadencial para o ajuizamento da ação, embora persistindo bienal, conforme art. 975, do NCPC, exceptuada as hipóteses dos seus § § 2º e 3º, cujo prazo será quinquenal, é certo, no entanto, que a novidade consiste na inserção da cláusula “da última decisão”, como termo inicial para sua contagem, expressão que inexiste no art. 475, do CPC/73, que estabelece como termo a quo “o trânsito em julgado da decisão”, sem mencionar “última”.

Como se sabe, no curso de uma ação pode existir, e não raro existe, decisões por capítulos ou fatiadas. Aliás, o § 3º do art. 966, do NCPC, prescreve: A ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão.

O CPC/73, em seu art. 475, diz: O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão. Enquanto o NCPC, em seu art. 975, consigna: O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Como se verifica, a novidade radica-se na expressão “última decisão proferida no processo”.

Como se sabe, após vários precedentes, o STJ editou a Súmula 401: O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.

Recentemente, em 05/08/2015, ao julgar os Embargos de Divergência no REsp. 1.352.730/AM, a sua Corte Especial, em acórdão do qual foi Relator o Min. RAUL ARAÚJO, decidiu que a “extemporaneidade do recurso não obsta a aplicação da Súmula 401…salvo na hipótese de má-fé do recorrente”.

A matéria ascendeu ao e. STF, através do RE 666.589/DF, onde foi dirimida diversamente, por sua primeira turma, em acórdão relatado pelo Ministro MARCO AURÉLIO, por três votos, pois dois Ministros não votaram, assim ementado:

“COISA JULGADA ENVERGADURA. A coisa julgada possui envergadura constitucional. COISA JULGADA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL. CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. Os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a propositura da rescisória. ”. (STF. Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 25/03/2014, Primeira Turma)

Em seu voto, S. Ex.ª, além de substanciosa doutrina, trouxe a lume precedentes da mesma Excelsa Corte (o mais recente, resultante do julgamento da AP 470, apelidada de “mensalão”), reiterando e embasando, mais ainda, a tese no sentido da juridicidade da formação de coisas julgadas por capítulos, ou fatiada, nos mesmos autos, quando for o caso, iniciando-se o biênio legal para postular a(s) respectiva(s) rescisão(ões) a partir do trânsito em julgado de cada decisum, em oposição, portanto, à tese consagrada pela Súmula 401/STJ, mas em harmonia, por outro lado, com o inciso II, do Verbete nº 100, da Súmula do e. TST que diz:

“II – Havendo recurso parcial no processo principal, o trânsito em julgado dá-se em momentos e em tribunais diferentes, contando-se o prazo decadencial para a ação rescisória do trânsito em julgado de cada decisão, salvo se o recurso tratar de preliminar ou prejudicial que possa tornar insubsistente a decisão recorrida, hipótese em que flui a decadência a partir do trânsito em julgado da decisão que julgar o recurso parcial. (ex-Súmula 100 – alterada pela Res. 109/2001, DJ 20.04.2001)”

A redação do art. 975 leva à compreensão segundo a qual, nos mesmos autos poderá ocorrer decisões de mérito, fatiadas, ou por capítulos, acobertadas pela preclusão, incidindo, contudo, o prazo decadencial para a rescisória só após a…“última decisão proferida no processo”, pois tal pressupõe, logicamente, decisão(ões) anterior(es), o que estaria em consonância com a Súmula 401/STJ.

Prenuncia-se, portanto, o prolongamento da controvérsia, no ponto em apreço, ante a superveniente regra inscrita no art. 975, do NCPC.

Pensamos, no entanto, que a tese encampada pelos egs. STF e TST, no sentido da existência de decadência, quando ocorrem decisões por capítulos, acobertadas pela preclusão, o prazo para buscar sua eventual rescisão deve ter o seu termo inicial a partir do trânsito em julgado de cada decisum, não obstante o advento do art. 975 e Súmula 401/STJ.

Tal pensamento apoia-se, basilarmente, nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, dentre outros. Não se afigura razoável que uma decisão de mérito, preclusa, permaneça aguardando, anos a fio, para ser acobertada pela soberania da res judicata, ou alvo de rescisória no biênio, por controverter-se, ainda, nos mesmos autos, sobre questões outras, como, por exemplo, numa reparação de danos, transitou em julgado a condenação em danos materiais, emergentes, no entanto, prossegue a discussão quanto a lucros cessantes, ou à reparação a título de danos morais ou estéticos – Súmulas  37 e 387/STJ – ou de honorários ou juros etc. para, só a final, após a última decisão, que não raro demora anos e anos, iniciar-se o biênio decadencial de capítulo de há muito já decidido, preclusivamente. Resta claro que tal protrai no tempo a estabilização daquela parcela ou capítulo já decidido, muitas vezes o mais expressivo no âmbito do processo, interferindo em sua definitiva estabilização, obstando-se, assim, a geração da respectiva segurança jurídica, princípio fundamental na pacificação e tranquilidade das relações jurídico-sociais. Ademais, seria desproporcional procrastinar-se a formação da coisa julgada e o respectivo pleito à sua rescisão, porque controverte-se, ainda nos mesmos autos, sobre questões menos relevantes, sob os ângulos material e jurídico.

Interpretação do art. 975, conforme a CF, tendo em vista os incisos XXXV e o LXXVIII, do art. 5°, poderá solucionar a dúvida e preservar exegese que melhor atenda aos fins sociais da norma, bem como à razoabilidade na duração do processo. Imbricam-se, na espécie, a garantia constitucional da coisa julgada e as normas legais que disciplinam a ação rescisória e a própria  res judicata, o que gera campo para a diversidade de interpretações; uma, do STJ outra, do STF, ambas muito bem embasadas, sendo certo, no entanto, com a devida venia, que a efetividade do processo, além de outros princípios mencionados, sugerem, em tese, a prevalência do reconhecimento da coisa soberanamente julgada, por capítulos, iniciando o biênio para sua eventual desconstituição a partir do respectivo trânsito em julgado.

Há outras inovações, tal como o limite do depósito de 5% sobre o valor da causa, o qual não poderá ser superior a mil salários mínimos, art. 968, II, § 2º, regra importante porque preserva, em tese, o direito de acesso ao Judiciário, o qual poderia ficar inviabilizado ante a inexistência do teto, nas ações de elevado valor, que não são comuns mas, existem e, a garantia de acesso a Juízo se destina a todos – abastados e/ou carentes –, vindo à tona, inclusive, mutatis mutandis, a diretriz interpretativa condensada na Súmula 667/STF.

Interessante acórdão do qual foi Relator o Desembargador Federal LEOMAR BARROS AMORIM, merecidamente homenageado por esta obra, sintonizado com a instrumentalidade do processo, afastou exigências de somenos importância para o trâmite da ação, reconhecendo, inclusive, implicitamente, a aplicação à mesma do princípio iura novit curia, conforme ementa:

PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. CPC, ART. 485, INCISO V. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. COOPERATIVA. LEI COMPLEMENTAR 84/96. CONSTITUCIONALIDADE.

1. A falta de autenticação de alguns dos documentos juntados à inicial não é motivo suficiente para a não admissão da ação rescisória.

2. Mesmo que a parte não decline expressamente qual dispositivo legal restou violado, se da leitura da narrativa autoral se extrai as normas pertinentes à espécie e esta permite a elaboração de defesa pelo réu, não há se falar em não conhecimento da ação por inépcia.

3. Esta Corte Regional, na esteira da jurisprudência do STF e do STJ, não vislumbra qualquer vício de inconstitucionalidade na Lei Complementar 84/96, posteriormente revogada pela Lei 9.876/99, descabendo falar em violação a literal disposição de lei pelo acórdão rescindendo (CPC, art. 485, V), que na mesma linha havia decidido.

4. Precedente da 4ª Seção: AR 2000.01.00.034008-8/MG, Rel. Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, DJ/II de 07/07/2004, p. 10.

5. Pedido rescisório improcedente. (TRF-1, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEOMAR BARROS AMORIM DE SOUSA, Data de Julgamento: 15/09/2004, QUARTA SEÇÃO)

Em síntese, aguardamos que “a nova” rescisória, seja, ainda, mais útil a seus nobres propósitos de corrigir eventuais distorções que aviltem o Direito, na sua aplicação. O que, felizmente, não é comum mas acontece.

O autor foi membro do MPDFT; Juiz Substituto do DF; Juiz Federal de carreira, atingindo o seu final como membro do TRF da 2ª Região, do qual foi Presidente no biênio 2001/2003. Foi membro do TRE/RJ; Ministro Substituto do TSE. Ministro do STJ, por 10 anos, aproximadamente, aposentando-se em 27/06/2014. Lecionou, nos anos 80, Direito Processual e Civil, na Faculdade Milton Campos, em Belo Horizonte. É sócio fundador do escritório Arnaldo Lima & Barbosa Moreira – Sociedade de Advogados, com sede em Belo Horizonte-MG.