“Lava jato” transformou compartilhamento de prova em declínio de competência

"Lava jato" transformou compartilhamento de prova em declínio de competência

“Lava jato” transformou compartilhamento de prova em declínio de competência

Consultor jurídico

Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2022, 10h33

Para continuar investigando o ex-líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza, e outros acusados implicados em supostas irregularidades na Petrobras, procuradores da “lava jato” do Paraná interpretaram uma decisão de compartilhamento de provas como se fosse de declínio de competência por parte do Supremo Tribunal Federal.

Lava JatoA manobra foi feita em 2019, à revelia do STF, que naquele momento ainda decidia se as informações apresentadas pelos delatores Jorge Luz e Bruno Luz deveriam ser apuradas por inquérito, no âmbito da Pet 7.969.

Segundo os delatores, um esquema de corrupção teria sido instaurado na Petrobras para interferir em favor da empresa Sapura em concorrência internacional para contratação de navios lançadores de linha. Os beneficiários seriam os então deputados federais Cândido Vaccarezza (PT-SP, à época) e Vander Loubet (PT-MS).

A pedido do Ministério Público Federal, o ministro Luiz Edson Fachin, relator da Pet 7.969, determinou o encaminhamento dessas informações à 13ª Vara Federal de Curitiba, em abril de 2019. O objetivo especificamente definido foi de juntada a um inquérito policial já existente que apurava prática de outros desvios na Petrobras envolvendo Jorge Luz.

Em vez disso, procuradores lavajatistas instauraram procedimento investigatório criminal (PIC) autônomo em julho de 2019. Para tanto, excluíram do procedimento o único investigado que, naquele momento, mantinha foro especial no STF: Vander Loubet.

E em agosto, o grupo de procuradores justificou a medida como tomada “a partir do declínio de competência promovido pelo Supremo Tribunal Federal na Pet 7.969”.

No Supremo, a Pet 7.969 deu origem ao Inquérito 4.798, instaurado em agosto de 2019 para apurar a conduta de todos os envolvidos, inclusive os que não possuíam foro especial. Sem a cisão das investigações, a “lava jato” paranaense não poderia usar o PIC para investigar as mesmas pessoas pelos mesmos fatos, à sombra do STF.

Em novembro de 2020, o ministro Fachin acolheu pedido do MPF e determinou o arquivamento do Inq 4.798, por ausência de comprovação dos fatos delatados. Enquanto isso, as investigações continuaram em andamento no Paraná, seguindo o PIC aberto irregularmente.

Lava JatoSTJ tranca PIC

Maurício da Silva Carvalho está entre os acusados apontados pela “lava jato” como operador do esquema na Petrobras. Ele constou como alvo do inquérito arquivado pelo Supremo e seguiu na mira da “lava jato” por meio do PIC instaurado pelo MPF paranaense.

Diante disso, impetrou Habeas Corpus no Tribunal Regional Federal da 4ª Região pedindo o trancamento das investigações. A corte denegou a ordem por entender que eventual violação ao que foi decidido pelo ministro Fachin só poderia ser analisada pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

Carvalho recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, que, em julgamento da 5ª Turma em 15 de fevereiro, concedeu a ordem para trancar o PIC aberto pela “lava jato” e anular todos os atos de investigação ou atos judiciais derivados de requerimentos nele formulados.

A decisão foi tomada por maioria, vencido o relator, o desembargador convocado Jesuíno Rissato. O voto vencedor foi do ministro João Otávio de Noronha, acompanhado pelos ministros Ribeiro Dantas, Reynaldo Soares da Fonseca e Joel Ilan Paciornik.

 

Afã punitivista

Segundo Noronha, ao instaurar o PIC, os procuradores lavajatistas optaram por cindir os fatos narrados na colaboração premiada como se fossem titulares dessa atribuição. O ministro classificou a atitude como “precipitada” e “absurda”.

Destacou que, para simular a cisão que somente poderia ser realizada pelo ministro Fachin, relator da Pet 8.173 e do Inq 4.798, os procuradores omitiram o nome do único detentor de foro privilegiado, o do deputado federal Vander Loubet, e definiram como objeto do PIC o pagamento de propinas a funcionários do segundo escalão.

“Que declínio de competência seria esse, que ocorreu antes mesmo de o ministro Fachin avaliar os fatos narrados pelos delatores e determinar a instauração de inquérito em desfavor de todos os envolvidos?”, indagou, no voto vencedor.

“A complexidade dos fatos apurados na operação ‘lava jato’, que teve dezenas de ramificações, não justifica a atuação descontrolada do órgão acusatório em seu afã condenatório”, criticou o ministro Noronha.

Apontou ainda que a inexistência da decisão de declínio de competência pelo STF foi usada pelo TRF-4 em desfavor do autor do Habeas Corpus. A corte regional entendeu que, como os autos estão em sigilo no STF, não teria como saber se o relator do inquérito havia realmente declinado da competência.

“Sigilos de processos matrizes não podem, jamais, subtrair ao investigado o direito de conhecer a decisão que promove declínio parcial de competência; não podem ser utilizados como escudo para impedir o exercício de direitos fundamentais. E, pior, não podem jamais ser opostos ao próprio Poder Judiciário”, pontuou o ministro.

Afirmou que se fosse realmente o caso de declínio de competência, a decisão do ministro Fachin teria enviado para a primeira instância os autos referentes a todos os investigados sem foro especial no STF, o que não ocorreu.

Concluiu o ministro Noronha que a instauração do PIC antes mesmo da instauração do inquérito pelos mesmos fatos no STF “configurou patente abuso de autoridade, ferindo a constitucional garantia do investigado de ser submetido a procedimento no juízo competente”.

Os acusados foram defendidos pelos escritórios Bidino & Tórtima, Garcia de Souza e Brito Chaves. A advogada Fernanda Tórtima comemorou a decisão do STJ, e pôs em xeque os métodos do MPF. “A PGR e a PF já haviam investigado Maurício Carvalho e entenderam não haver prova para denúncia ou continuidade das investigações. Como pode o MPF de primeira instância voltar a investigá-lo pelos mesmíssimos fatos?”, questionou.

O truque do MPF foi aplicado em pelo menos mais um caso: do empresário Wilson Quintella, ex-presidente do grupo Estre Ambiental.

Clique aqui para ler o acórdão do STJ
RHC 149.836

Revista Consultor Jurídico, 3 de março de 2022, 10h33