Opinião: Considerações sobre o extinto adicional por tempo de serviço no âmbito federal
Referida matéria veio à tona, recentemente, por decisão majoritária do Conselho da Justiça Federal (CJF), no PA 0003402-07.2022.490.8000, que reconheceu a subsistência do direito a tal vantagem, a uma parcela mais antiga de magistrados federais associados da Ajufe, ante requerimento desta, limitado ao “valor-teto” do subsídio remuneratório instituído pela Constituição.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por seu corregedor-geral, monocraticamente, ao rever a questão, em sua competência, não vislumbrou ilegalidade em tal decisum; posteriormente, contudo, decidiu por submetê-la ao respectivo Plenário. A seu turno, instado por representação, o e. Tribunal de Contas da União (TCU), pelo e. relator, houve por bem, cautelarmente, no Processo 030.305/2022-5, em suspender, totalmente, os efeitos financeiros oriundos da aludida decisão, até deliberação do seu Plenário a respeito.
O adicional em apreço, para os funcionários federais, remonta a seu antigo estatuto, que se consubstanciava na revogada Lei 1.711/52, artigo 146. A sucessora, Lei 8.112/90, que “dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”, o previu, na redação original do seu artigo 67, como anuênio, alterado para quinquênio pela Lei 9.527/97, preceito, porém, que veio a ser revogado pela MP 2.225-45, de 2001 “respeitadas as situações constituídas até 8.3.1999”.
Quanto a magistrados, a LC 35/79 (Loman), em seu Artigo 65, prescreveu: “Além dos vencimentos, poderão ser outorgados aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: VIII – gratificação adicional de cinco por cento por qüinqüênio de serviço, até o máximo de sete”.
Assim, para pessoas que ingressaram nas carreiras da magistratura antes de julho de 2005 e somaram tempo suficiente, conquistaram a correspondente gratificação quinquenal. A partir de então, por força da Lei 11.143, de 26/7/2005, que fixou, forte no artigo 48, XV, da CF, o subsídio para ministro do Supremo Tribunal Federal, constitutivo do teto remuneratório no serviço público, dando concretude à previsão do § 4º, do seu artigo 39, a remuneração mensal de tal categoria passou a ser, exclusivamente, como regra, em parcela única, denominada subsídio.
A compreensão do CNJ, no âmbito de suas atribuições, expressa em sua Resolução 13/2006, foi no sentido de que referidos adicionais foram absorvidos, porque compreendidos no valor unitário do sobrevindo subsídio. Igualmente, o STF, sobretudo após a EC 41/2003, firmou a sua jurisprudência em igual sentido, ou seja, pela inexistência de direito adquirido a eventuais quinquênios pretéritos ao advento do regime remuneratório em parcela única.
Consolidou-se, em síntese, o entendimento segundo o qual não mais subsistiu direito a adicional por tempo de serviço, dentre outras rubricas, após a superveniência de tal mudança, certo que toda remuneração funcional deveria, como deve, limitar-se ao referido teto, conforme explicita o inciso XI, do artigo 37, da CF, no qual resta peremptório que “as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal…”. Claro, induvidoso, portanto, que vantagem pessoal como o quinquênio, na acepção da Loman, poderia compor a remuneração, por subsídio, do respectivo destinatário, desde que não excedente ao mencionado “limite-teto”.
A despeito disso, tanto CNJ quanto STF, se posicionaram, ab initio, institucionalmente, em desfavor do reconhecimento da garantia magna do direito adquirido, na espécie, a favor de magistrados que o tivessem conquistado.
Pondere-se que compreensão oposta, ou seja, pelo eventual reconhecimento da subsistência de tal garantia, teria a consequência de, a um só tempo, resguardá-la, ante o seu relevo fundamental, básico, respeitando, por outro lado, o teto remuneratório, pois é a própria CF que proclama (37, XI/CF), que a “remuneração e o subsídio …não podem exceder…”, restando, assim, espaço, mesmo que pequeno, para admitir e respeitar direitos lidimamente adquiridos a adicionais, 5%, 10% ou 15%, conforme o caso, sem se violar, jamais, o “limite-teto”, coerente, ainda, com a jurisprudência da mesma Suprema Corte que consagra a tese segundo a qual não há garantia adquirida do servidor público à subsistência de determinado critério para cálculo de seus vencimentos, desde que da mudança não implique sua redutibilidade. No caso, o novo critério subsiste hígido, não o infirmando o acréscimo, como direito pessoal, na remuneração, da respectiva vantagem outrora adquirida, como veio de ser placitado pela Corte Excelsa, na tese resultante do Tema 257, da repercussão geral.
Ademais, como houve mudança de regime remuneratório — vencimento para subsídio —, ter-se-ia atribuído significância jurídica ao direito intertemporal, certo que a situação só atingia a magistrados anteriores ao novo regime; quanto ao grupo posterior, a questão não existiu porque já ingressaram sob a nova disciplina remuneratória. Assim, no curso de algum tempo estar-se-ia superada a dicotomia: parcos quinquênios para parcela de Magistrados que tinham direito constituído a percebê-los, até referido limite magno; outros, não, porque já ingressaram na carreira sob o novo sistema. Tal conciliaria direito adquirido, respeito ao teto e, ainda, isonomia porque o subsídio, a rigor, no ponto, tratou igualmente, desiguais, no que concerne a tempo de serviço.
A Associação dos Juízes Federais, compreensivelmente, não se conformou com tal restrição, tanto que ajuizou ação ordinária discutindo a subsistência ou não, do mencionado direito adquirido a quinquênios, por parcela de associados, feito ainda em trâmite, ao que consta.
Sobreveio, todavia, em novembro de 2015, julgamento do RE 606.358/SP, pelo STF, relatora ministra Rosa Weber, no qual o seu Plenário, após exaustivos e densos votos e debates, apreciando o Tema 257, da repercussão geral, fixou a tese: “Computam-se para efeito da observância do teto remuneratório do art. 37, XI, da Constituição da República também os valores percebidos anteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 41/2003 a título de vantagens pessoais pelo servidor público, dispensada a restituição dos valores recebidos em excesso e de boa-fé até o dia 18 de novembro de 2015”.
Ponto comum que exsurge de referido julgado, inclusive dos vários precedentes nele transcritos, é que vantagens pessoas não podem, em absoluto, excepcionar o teto; mas, podem ser adicionadas e percebidas, até o seu limite. Referida tese harmoniza-se, como se observa, totalmente com o inciso XI, do artigo 37/CF, que é claríssimo ao prever, expressamente, a possibilidade de inclusão de tais vantagens limitadas ao teto do subsídio. A questão foi reiterada no RE 1.146.525/SP, relator ministro Ricardo Lewandowski, citando precedentes, julgado em 23/11/2020.
Pontue-se que referido precedente qualificado, obviamente, é extensivo a todos — servidores, agentes políticos — que percebam remuneração pública, pois atentaria contra o tratamento isonômico reconhecer a sua aplicação para aqueles, inclusive integrantes das chamadas carreiras de Estado, aliás, estipendiados por subsídio, e não reconhecê-la como abrangente daqueles que também servem ao mesmo Estado, como seus agentes políticos.
Observe-se, ademais, que o RE 606.358, que gerou o tema, despertou o interesse de inúmeras pessoas jurídicas, a iniciar pela União Federal, vários estados, sindicatos, associações, que ingressaram no feito como Amicus Curiae, o que ratifica a aplicação do precedente a tantos quantos aufiram “remunerações estatais”, observado o seu exato e preciso alcance.
Enfim, a impressão é que a instituição do subsídio remuneratório trouxe dificuldades cotidianas em sua aplicação, causando distorções, igualando desiguais, menosprezando o tempo de serviço, valor funcional importante; diversamente do regime vencimental que lhe antecedeu.
Registre-se que, pelo menos em relação aos servidores públicos, o legislador ordinário teve a sensibilidade e discernimento, ao extinguir o adicional por tempo de serviço, de preservar aqueles já adquiridos por cada servidor. Contexto que não foi considerado em relação à magistratura, quando da instituição do subsídio, maltratando um dos pilares da segurança jurídica, que é o direito adquirido.
Arnaldo Esteves Lima é ex-juiz federal de carreira e ministro aposentado do STJ.